Lá estava eu com a minha família, de férias, num acampamento isolado, com carro enguiçado. Isso aconteceu há 10 anos, mas lembro-me disso como se fosse ontem. Tentei dar a partida no carro. Nada. Caminhei para fora do acampamento e felizmente meus palavrões foram abafados pelo barulho do riacho que passava por ali. Minha mulher e eu concluímos que éramos vítimas de uma bateria descarregada.
Sem alternativa, decidi voltar á pé até uma vila mais próxima, a alguns quilômetros de distancia. Duas horas e um tornozelo torcido, cheguei finalmente a um posto de gasolina. Ao me aproximar do posto, dei-me conta de que era domingo de manhã. O lugar estava fechado, mas havia um telefone público e uma lista telefônica caindo aos pedaços. Telefonei para a única companhia de auto-socorro, localizada na cidade vizinha, a cerca de 30 km de distancia.
Zé atendeu o telefone e me ouviu enquanto eu explicava meus apuros.
Não tem problema - ele disse quando dei minha localização - "normalmente estou fechado aos domingos, mas posso chegar aí em mais ou menos meia hora".
Não tem problema - ele disse quando dei minha localização - "normalmente estou fechado aos domingos, mas posso chegar aí em mais ou menos meia hora".
Fiquei aliviado que estivesse vindo, mas ao mesmo tempo consciente das implicações financeiras que essa oferta de ajuda significaria. Ele chegou em seu reluzente caminhão-guincho e nos dirigimos para a área de acampamento.
Quando saí do caminhão, me virei e observei com espanto o Zé descer com aparelhos na perna e a ajuda de muletas. Ele era paraplégico! Enquanto ele se movimentava, comecei novamente minha ginástica mental em calcular o preço da sua boa vontade.
É só uma bateria descarregada, uma pequena carga elétrica e vocês poderão ir embora, disse.
Ele reativou a bateria e enquanto ela recarregava, distraiu meu filho pequeno com truques de mágica. Ele até mesmo tirou uma moeda da orelha e deu para meu filho. Enquanto ele guardava os cabos de volta no caminhão, perguntei quanto lhe devia.
-"Oh! Nada ". - respondeu, para minha surpresa.
-"Tenho que lhe pagar alguma coisa".
- "Não" - ele reiterou. "Há muitos anos atrás, alguém me ajudou a sair de uma situação pior do que esta, quando perdi as minhas pernas, e o sujeito me disse apenas para "passar isso adiante". Portanto, você não me deve nada".
Apenas lembre-se: Quando tiver uma chance, "passe isso adiante".
Cerca de dez anos após, no meu movimentado consultório, aonde freqüentemente treino estudantes de medicina, Maria, uma aluna do segundo ano de uma faculdade de outra cidade veio passar um mês no meu consultório para que pudesse ficar com a mãe, que morava na região. Acabamos de atender a uma paciente cuja vida fora destruída pelas drogas e pelo abuso do álcool e de repente, noto que Maria tem seus olhos cheios de lágrimas.
-"Você não se sente bem por ver este tipo de paciente?” - perguntei.
-"Não" - Maria respondeu soluçando - "é simplesmente que minha mãe poderia ser esta paciente. Ela tem o mesmo problema".
Durante o horário de almoço, conversamos sobre a trágica história da mãe alcoólatra de Maria. Chorosa e angustiada, ela abriu o coração ao contar os anos de ressentimento, vergonha e hostilidade que haviam marcado a existência de sua família.
Dei-lhe a esperança de colocar a mãe sob tratamento. Depois de ser bastante encorajada por um conselheiro treinado que indiquei e por outros membros da família, a mãe de Maria consentiu em se submeter a um tratamento. Ficou internada no hospital especializado por várias semanas e, quando saiu, era uma outra pessoa. A família de Maria quase tinha sido destruída e pela primeira vez puderam sentir um pouco de esperança.
-"Como posso lhe agradecer?” - perguntou Maria.
Quando me lembrei daquele acampamento distante e do bom samaritano paraplégico, eu soube que só poderia lhe dar uma resposta:
-"Apenas passe adiante".
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