Era uma vez um pescador chamado Drid. Era um homem distinto, era vigoroso, de ar franco e seu olhar, quando ele ria, era tão vivo quanto o sol. Ora, eis o que lhe aconteceu:
Uma manhã, quando ele andava ao longo da praia, com sua vara de pesca sobre as costas, o rosto ao vento e os pés na areia molhada pelo movimento das ondas, encontrou em seu caminho um crânio humano. Esta parte humana depositada entre as algas secas, excitou imediatamente seu humor alegre e brincalhão. Ele parou diante do crânio, se inclinou e disse:
- Crânio, pobre crânio quem te conduziu até aqui?
Ele riu, não esperando nenhuma resposta. No entanto os maxilares esbranquiçados da peça se abriram num rangido e o pescador escutou esta simples frase:
- A palavra...
Drid saltou para trás; ficou um momento afoito como um animal assustado; depois vendo a cabeça do velho defunto tão imóvel e inofensiva quanto uma pedra, pensou ter-se enganado por algum sussurro da brisa, reaproximou-se prudentemente e repetiu, a voz tremendo, sua questão:
- Crânio, pobre crânio, quem te conduziu até aqui?
- "A palavra..." respondeu o interpelado, desta vez com um quê de impaciência
dolorosa, e uma indiscutível clareza.
Então Drid levou os punhos ao peito, soltou um grito de pavor; recuou, os olhos esbugalhados, deu meia volta e correu com os braços para o céu, como se mil diabos estivessem em seu encalço. Ele correu assim até sua aldeia.
Entrou como um raio nos aposentos de seu rei. O rei era um homem gordo que estava majestosamente sentado à mesa, degustando sua refeição matinal. Drid caiu a seus pés e, todo suado e arfando, disse:
- "Rei, na praia, lá longe, há um crânio que fala".
- "Um crânio que fala!", exclamou o rei. "Homem, estás sóbrio?"
- "Sóbrio, eu? Misericórdia eu não bebi desde ontem mais que uma cabaça de leite de cabra... Rei venerado, eu te suplico que acredite em mim, e eu ouso novamente afirmar que encontrei agora a pouco, quando eu ia à minha pesca cotidiana, um crânio tão perfeitamente falante como qualquer ser vivente".
- "Eu não acredito em nada disto, respondeu o rei. No entanto é possível que tu digas a verdade. Neste caso, não quero arriscar-me a ser o último a ver e ouvir esta considerável manifestação de um morto. Mas te previno: se por engano ou má intenção tu foste levado a vir contar-me uma lorota, homem de nada, tu o pagarás com tua cabeça!"
- "Eu não temo tua cólera, rei perfeito, porque sei bem que não menti", disse Drid, correndo já em direção à porta.
O rei estralou os dedos, tomou seu sabre, colocou-o na cintura e se foi trotando atrás de sua guarda, com Drid, o pescador.
Caminharam ao longo do mar até o monte de algas onde estava o crânio. Drid se inclinou e acariciando amavelmente sua fronte rochosa disse:
- "Crânio, eis diante de ti o rei da minha aldeia. Peço, por favor, diga-lhe algumas palavras de boas vindas".
Nenhum som saiu das mandíbulas de osso. Drid se ajoelhou, o coração batendo mais rápido.
- "Crânio, por piedade, fale. Nosso rei tem uma orelha fina, um murmúrio lhe será suficiente. Diga-lhe, eu te suplico, quem te trouxe até aqui".
O crânio miraculoso não pareceu entender mais que um crânio vulgar; permaneceu tão firmemente depositado quanto o mais medíocre dos crânios, tão mudo quanto um crânio imperturbavelmente instalado na sua definitiva condição de crânio, sob o grande sol entre as algas secas. Pois, calou-se obstinadamente.
O rei, fortemente irritado por ter sido incomodado por nada, tirou seu sabre da cintura com um rápido movimento.
- "Maldito mentiroso!", disse ele.
E sem outro julgamento, de um golpe certeiro arrancou a cabeça de Drid. Após o que, voltou reclamando para os seus assuntos de rei, ao longo das ondas.
Então, enquanto o rei se distanciava, o crânio abriu enfim seus maxilares rangendo e disse à cabeça do pescador que, rolando sobre a areia, viera juntar-se à sua, face contra face:
- "Cabeça, pobre cabeça, quem te conduziu até aqui?"
A boca de Drid se abriu, a língua de Drid saiu entre seus dentes e a voz de Drid respondeu:
- "A palavra".